quinta-feira, 13 de setembro de 2007

[Ou]tonalidades

[e há ainda o poeta, esse animal que me habita...atordoado como eu e outros tantos de mim.]

aliciava a sua fome saboreando coisas sem graça como a dor escancarada nos versos alheios. nunca se opunha ao vento e gostava de sussurrar às imensas clareiras de mata alta em volta da casa. era assim o seu retiro: como ele. alí jazia entre livros. com pouca luz, escuro ainda, amanhecia envolto pelas sombras de sua poesia orgulhosa. ignorava qualquer réstia de luz que tentasse invadir aquele platô. sua alma se amontoara pelas estantes e escondera-se em gavetas secretas, cheias das quinquilharias adolescentes que lhe adornaram aquela tal puberdade estranha que invadira o seu espírito muito antes do completo amadurecimento. vivia sonhando com velhos ritos. poesia. transbordamento. mas o tempo foi remodelando essa tolice. desafiava as poucas horas livres entre livros, tentando encontrar um que lhe explicasse - concretamente - o que lhe roubaram ao nascer. perdera certa noção sobre sentir e o insosso senso do ridículo quando apaixonou-se pela prima vez. releu o poema trágico que dedicou à uma mulher mais velha, sem título. ela o sentenciara com Baudelaire, Rilke, Pessoa, Whitman, Keats. Ezra Pound esteve fora de cogitação e ele o odiou até descobrir um poema que era a supremacia da ambiguidade. tudo o que nos pertence ainda está por ser escrito. era o destino sempre deixando a mostra, sua antipática mania de ler amparado por um mítico sentimento de distância. quando a tarde vazou e a noite trouxe-lhe o sossego do chá, sentia-se um espécime medíocre, mas admirado. enfim, um poema seu premiado. faltara-lhe o velho cuidado sobre a sua cota surrada de humanidade, toda aquela ensaiada e displicente emoção com que carregava nas linhas. nada o incomodava mais que tristeza adubada para cerca viva de um poema. nada parecia-lhe mais inverossímil quanto ele mesmo. combinou fetiches com o tempo a fim de preparar seu velho estoque de sorrisos guardados para funerais. uma vez mais, olhou sorrateiro para os livros e livros que nasceram da correria que inventara, da solidão que sempre soube encafifá-lo.
além do farto alforje sem tristezas, seguiu. carregava consigo aquele interessante sentimento desengonçado para com o tal poema premiado.
“Essa é uma tarde
Branca
Branda
E morna.

Até o vento
Tão lá
Tão cá
[volúvel - dizem]

Afeiçoa-se
De cada árvore
Ao fim do dia.

Assim é,
a vida.”
e nada a mais.
* publicado originalmente na Diversos Afins, Décima Leva-Especial de Aniversário, Junho-2007*

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